Crítica: ‘Paris, Texas’(1984), de Wim Wenders

Utilizando de um ritmo cadenciado durante todos os 147 minutos de duração, Wim Wenders entrega com este filme a grande obra-prima de sua filmografia consagrada. ‘Paris, Texas’ aborda a vida em suas mais diferentes formas. Um filme que traz a essência fundamental de um “Road Movie”, mesclado com um tom melancólico presente em toda a obra.

O filme começa abordando a vida de Travis Henderson, que, após ficar mais de quatro anos desaparecido, é achado vagando sem rumo pelo deserto. Seu irmão, Walt Henderson, fica incumbido de ir ao encontro de Travis para trazê-lo de volta a sua casa. Aos poucos, assim como o protagonista, vamos assimilando tudo o que acontece naquele ambiente. Travis vai recuperando sua saúde mental e física e tem a difícil missão de reatar o laço com seu filho pequeno, Hunter, que tinha abandonado após desaparecer. Hunter não fora somente abandonado pelo pai, sua mãe também decidira por deixá-lo aos cuidados de Walt e sua esposa, a fim de não comprometer o desenvolvimento da criança. A trama ganhará sua essência quando Travis decide reencontrar Jane, sua esposa, junto com seu filho.

O início do longa é marcada pelo ritmo lento, onde serão explorados todos os nuances que acabam por reger esse aparecimento misterioso de Travis do meio do nada. Todas as suas motivações, assim como a de seu irmão, são suprimidas do espectador, nos deixando tão perdidos quanto Travis aparenta estar. Travis parece ter perdido sua sociabilidade, agindo de forma desconexa e não pronunciando uma única palavra.

Essa carga misteriosa do protagonista é transmitida até nós. Vamos nos habituando ao seu modo estranho de agir e ao seu tom silencioso. Esse silêncio propiciado pelo protagonista acaba se transmitindo para toda a atmosfera inicial do filme. Veremos unicamente a figura daquele clima escaldante do lugar e Walt tentando, sem sucesso, fazer o irmão dizer o que acontecia com ele.

O silêncio de Travis somente é quebrado quando ele encontra no irmão o esboço necessário de segurança do qual necessitava. Essa quebra do silêncio trabalha também por quebrar todo esse ritmo lento empreendido pelo filme. Seguiremos então na jornada de Travis e Walt de volta para casa. E com isso vemos emanar dos dois personagens toda a preocupação que essa volta de Travis para o lugar que abandonara outrora iria implicar na vida de todos.

O retorno do homem ao convívio social é facilitado pela recepção atenciosa da mulher de Walt. O filho de Travis parece um tanto quanto perdido pela situação, sem saber como agir diante daquilo. Hunter acaba nutrindo um esboço de raiva diante desse pai ausente. Esse esboço de raiva é atenuado pela simples falta de lembranças do menino pela figura desse pai. Walt e sua esposa passaram a ser mãe e pai do menino. O processo de aceitação de Hunter por essa nova figura de pai ocorre de maneira rápida e natural. Tanto Travis quanto Hunter encontram na inabilidade social o fio que lhes aproximam.

Travis acaba passando por um processo de mutação em novamente um ser social. Esse contato acolhedor com a família facilita que o homem recupere, em seu próprio ritmo, algo que escolhera deixar para trás quatro anos antes. E essa recuperação de sua saúde mental é evidenciada em uma das cenas mais simbólicas do filme, quando Travis atravessa uma ponte e encontra a figura de um homem completamente atormentado gritando coisas sem nexo. Travis se dá conta neste momento do que fora meses antes, vendo no homem uma espécie de espelho e se compadecendo disto. Medo e aversão surgem no protagonista. Aversão pelo que havia sido durante um fragmento de sua vida e medo de que isto não tenha se acabado por completo. E esse medo será fundamental para os desnivelamentos finais da obra.

A essência “Road Movie” do filme é responsável por evidenciar a aura “deveniente” que a relação entre Travis e Hunter é concebida. A confusão intrínseca aos personagens, por diferentes motivos, acaba incitando os mesmos a encontrarem o elo perdido que talvez propicie o conforto necessário. Esse elo é a figura de Jane. Somente ela poderia providenciar essa recuperação do buraco na vida de Travis e Hunter. E a jornada dos dois pela busca da mulher é linda. Veremos surgir nessa jornada os sentimentos de aceitação e amor nos protagonistas.

O encontro de Travis e Jane é uma das cenas mais impactantes já feitas no cinema. Tudo que envolve a construção dessas cenas, separadas em dois momentos em um único ambiente, acaba arrepiando quem as assiste. A intensidade do filme, que até então era mais tranquila e suave, acaba se elevando consideravelmente. As conversas entre Jane e Travis, separadas por um espelho do o que aparenta ser uma casa de “strip-tease”, típico de cenas de interrogatórios policiais, onde só um lado consegue ter pleno acesso visual ao outro, são permeadas por um tom nostálgico inicialmente por parte do homem, já que a mulher não sabe com quem está falando.

Essa primeira conversa elenca no homem a terrível conclusão de que tudo que ele tinha planejado para este momento jamais poderia ser levado adiante. A figura do passado turbulento dos dois, regido pelo tom obsessivo de ambas as partes, acaba por regressar no cérebro do homem. Pela primeira vez, Travis se dá conta que ali se encontram dois seres incompatíveis e autodestrutivos quando juntos.

Já a segunda conversa, onde ocorre a revelação de Travis para Jane, é norteada por um tom completamente diferente. Ambos, diante do espelho limitador, passam por um processo catártico, despejando um sobre o outro todo o material reprimido durante esses quatro anos de separação. Veremos finalmente o que motivou todas as ações do filme. Em um tom suave e melancólico, somos inundados do quão implacável é a figura do tempo e seus desmembramentos na vida que nos cerca. E toda essa cena linda só causa esse impacto em seu espectador devido à maneira genial na qual foi feita por seu diretor.

A direção de Wim Wenders é fantástica por trazer uma junção de vários estilos para a temática que o filme se propõe em contar. Talvez o único item que se mantenha idêntico durante todo o filme seja a doçura em contar uma história com tanto conteúdo. Aqui Wenders vai caminhar com perfeição entre as cenas mais ágeis na parte “road movie” do filme, até as mais estáticas, quando a trama se desenvolve apenas nos diálogos e expressões corporais dos personagens. Tudo caminha em uma completa simbiose atmosférica até adentrarmos no encontro de Jane e Travis. Wenders então imprime um clima que até então não havia sido utilizado pelo filme, dando a cada espectro de cena uma intensidade ímpar.

A construção que é feita na cena que muda todo o filme é feita com extrema cautela e carinho. Teremos momentos em que Jane, olhando diretamente para a câmera, posicionada como se estivesse dentro do espelho, faz uma espécie de quebra da quarta parede, mirando diretamente para o espectador com um olhar perdido, buscando algo que nós simplesmente não sabemos definir. Ou que não está lá. Em outros momentos, podemos visualizar com extrema precisão o quão perdida se tornou a vida daquela mulher. A câmera de Wenders, sempre utilizando uma edição dinâmica, faz essa conexão entre os dois indivíduos separados pelo falso espelho. A genialidade aqui se faz presente em representar todo esse afastamento que tange os dois, mesmo estando tão próximos, pela figura desse espelho, impossibilitando que os dois se toquem.

Outro ponto de suma importância nessa transição de estilos e ambientes é a cinematografia de Robby Müller. Muller consegue dar tons diferentes para cada cena do filme. Nos ambientes externos teremos o uso de um tom mais quente, evidenciando até mesmo o clima presente nos locais. Já nas cenas internas vamos ter tons ora soturnos, ora mais centrados no uso do vermelho.

Indo para o campo das atuações, encontraremos os cinco elementos presentes no filme entregando performances praticamente impecáveis.  Dean Stockwell(Walt) e Aurore Clément(Anne) vão viver os personagens menos relevantes para a obra, porém, mesmo assim, se fazendo importantes para o clima atmosférico do filme. Hunter Carson, como o filho de Travis, está fantástico no filme, sempre estando no tom certo, não soando exagerado como é habitual em atuações infantis. Nastassja Kinski, como Jane, faz um uso preciso de sua beleza, sabendo trabalhar muito bem com a câmera focada nela, já que é a única que possui esse privilégio no filme, inundando o espectador com seu rosto permeado por expressões concretas para aquilo que a personagem está passando. E o destaque, é claro, vai para a atuação da carreira de Harry Dean Stanton, sempre passando uma confusão nos atos de seu personagem, conseguindo por meio da sensibilidade encantar com cada gesto.

‘Paris, Texas’ é a jornada de indivíduos buscando por sua identidade em meio a uma conjunção cruel de fatores. Um filme que vai lidar com pontos extremos do ser humano com uma sensibilidade comovente. Wim Wenders entrega a obra mais relevante de seu cinema, mostrando aqui todos os elementos que acabam por compor seus filmes. Toda a nostalgia presente em cada fragmento de cena traz um misto de tristeza e felicidade no próprio espectador, nos fazendo olhar para nossos próprios passos, atrás da construção de nossas identidades no mundo.
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One Comment on “Crítica: ‘Paris, Texas’(1984), de Wim Wenders”

  1. Ricky, eu havia ssistido o filme há uns 30 anos e claro na ocasião achei admiravel, AGORA, há poucos dias, vendo aleatóriamente o titulo na sky, resolvi rever o filme. Não é preciso dizer que foi algo extraordinario esta revisita ao filme. O SEU COMENTARIO, dos melhores e precisos que já li, reflete a minha emoção com a fita. Às vezes em horas vagas eswcrevo sobre cinema no jornal local, e daí após ver novamente o filme, o jornal publicou meu texto de pagina inteira com fotos, sob o titulo TRINTA E CINCO ANOS DEPOIS PARIS TEXAS CONTINUA ATUAL, PUNGENTE E EMOCIONANTE….O seu comentario sobre a pelicula foi magestoso, muito preciso e esclarecedor. Nada lhe passou despercebido e ajudou mais ainda a gente admirar esta obra-prima da sétima arte. Obrigado.

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